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Sobre as torres de refrigeração e o efeito de propagação da bactéria Legionella

Como é do conhecimento geral, o Outono de 2014 trouxe consigo um surto de infecções com a bactéria Legionella em Portugal, o qual, tudo aponta, terá como epicentro a região de Vila Franca de Xira, sita a 30 km da capital Lisboa.

Devido às particularidades de contágio inerentes a esta bactéria, que só acontece pela inalação de gotículas de água suspensas no ar (aerossóis), a investigação realizada no sentido de identificar e circunscrever a fonte do problema descobriu que as torres de refrigeração das fábricas da Adubos de Portugal (em Vila Franca de Xira) e de químicos da Solvay (na Póvoa de Santa Iria) contêm Legionella. Inesperadamente o mediatismo do caso tem dado grande destaque a este equipamento comum na indústria química. Importa produzir algumas respostas sobre o mesmo, em particular no que respeita à natureza da sua operação.

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1) O que é uma torre da refrigeração?


Embora desempenhe um papel único e importante, uma torre de refrigeração muito raramente recebe cinco minutos de fama (por bons ou maus motivos) num processo de engenharia química. Trata-se tipicamente de uma unidade processual complementar, que serve para arrefecer correntes aquosas de modo acelerado, e para isso maximiza a exposição de uma ou mais correntes aquosas ao ar ambiente. Este, não estando saturado com vapor de água e estando mais frio, concretiza o arrefecimento pretendido, permitindo a reutilização da corrente aquosa no processo, ou a sua descarga para outro local. Em termos comparativos e simples, uma torre de refrigeração cumpre, num processo químico, a mesma função que o radiador de um carro cumpre no arrefecimento de um motor. Com uma subtil diferença, como se explica na questão 3. 


2 ) Qual o aspeto de uma torre de refrigeração?

Do ponto de vista físico a torre de refrigeração é usualmente uma peça vistosa. As grandes dimensões resultam da sua função, que é a acelerar o arrefecimento de correntes aquosas. Assim, aquilo que tecnicamente se designa por torre de refrigeração corresponde, na prática, a uma chaminé de grandes proporções, a qual pode ser feita de betão ou outros materiais. A opinião pública conhece bem as torres de refrigeração das centrais nucleares, que acabam por ser o elemento visual com que se habituou a identificar e aludir a centrais nucleares. O fumo branco é tão somente vapor de água.




3) Por que motivo, então, as torres de refrigeração são especialmente susceptíveis de propagar a Legionella?

Se, como se disse, uma torre de refrigeração pode ser equiparada ao radiador de um carro no papel que cumpre, há uma diferença subtil e crucial: num radiador a corrente aquosa nunca contacta directamente com o ar que a arrefece, e isto não é verdade nas torres de refrigeração usadas em engenharia química. Nestas não há metal ou qualquer outra barreira material entre a corrente aquosa e o ar, pelo que a troca de calor que permite o arrefecimento da água (e o aquecimento do ar) dá-se por contacto directo entre ambos os fluidos. Consequentemente, a transferência de massa entre a água  e o ar acaba por acontecer com grande intensidade e em simultâneo com a transferência de calor pretendida. Assim, se a corrente aquosa usada numa torre de refrigeração estiver contaminada com a bactéria Legionella, a temperatura da água e a não saturação do ar (humidade relativa < 100%) promovem a evaporação parcial da água da corrente aquosa para a corrente gasosa (ar), permitindo à bactéria transitar privilegiadamente para o ar.

A posterior dispersão do ar contaminado com Legionella acontece pela subida natural do ar quente (cheio de vapor), mas também pelo facto de que fora da chaminé o vento arrasta e dispersa o efluente gasoso saído da torre de refrigeração. Na prática, a torre de refrigeração é um humidificador de ar em tamanho gigante, capaz de produzir aerossóis em grande escala, para mal da indesejada propagação da bactéria Legionella.